Villa Athletic Club, história de uma fraude à portuguesa
Fundado em Lisboa, inscrito em Portalegre, apoiado por figuras públicas e já com salários em atraso, o nome pomposo em inglês não é suficiente para esconder uma realidade tipicamente portuguesa.
A 14 de Junho deste ano nasceu com algo de pompa e nenhuma circunstância o Villa Athletic Club. Um nome bem britânico, a ecoar ao coração dos nostálgicos do football association das ilhas, mas com ADN português até à medula. E uma instituição montada com o intuito de explorar ao máximo todos os buracos negros que o nosso futebol de base permite. Enquanto o Campeonato de Portugal e a Liga 3 têm demonstrado, nos últimos anos, uma permanente evolução em infra-estruturas e sentido competitivo, o mundo dos distritais continua a ser uma realidade à parte que alguns empresários sabem explorar bem à sua maneira. Um deles foi um passo mais longe nesse dia e olhou para o mapa de Portugal, cheirou o potencial do futebol no interior do país, calculou as distâncias numa app de viagens e sentiu que as contas saiam. Dessa forma nasceu em Lisboa o futuro clube da localidade de Ponte de Sor, um municipio do distrito alentejano de Portalegre. Um clube com nome inglês, sede espiritual em Lisboa e residência física no Alentejo.
Por detrás do projecto do Villa Athletic estava o empresário e figura da rádio Fábio Lopes, conhecido popularmente no meio como “Conguito”, voz de programas da rádio MegaHits. No discurso de lançamento da nova entidade futebolistica o presidente da direção do clube foi muito concreto na forma como orientou o discurso a favor da centralização do futebol dos grandes espaços urbanos para as zonas do interior e como sentia que era parte do seu dever contribuir para esse exercício de levar o jogo a outras latitudes. O discurso era bonito, fazia check com várias lutas de adeptos do futebol de base mas escondia uma realidade oculta e muito menos romântica.
O clube fez um scouting exclusivamente na grande Lisboa e montou um plantel apenas com jogadores da zona que treinariam durante a semana em instalações da cidade para ir apenas disputar os jogos em casa a Ponte de Sor, uma distância de mais de 130 kms - pouco menos de duas horas de viagem. Nem um só era natural ou residente no distrito de Portalegre. E porquê então a escolha de Ponte de Sor como sede da equipa?
Longe do conceito romântico anunciado pelo seu presidente, o objectivo de localizar a equipa no distrito alentejano deveu-se unicamente ao facto de, nos últimos cinco anos, todos os vencedores do campeonato distrital optaram por renunciar a subida ao Campeonato Portugal por questões económicas. De certa forma, qualquer projecto com ambições de entrar nos campeonatos nacionais sabe que a vaga através da distrital de Lisboa e Setúbal é bastante cara mas nenhuma é tão rentável como a de Portalegre. Nem que seja porque vencer a prova raramente é necessário quando os seus principais emblemas estão habituados a dizer não a uma possível promoção.
Fábio Lopes conseguiu captar para treinador do projecto Meyong, uma das maiores figuras da história do Vitória de Setubal - do qual já foi também treinador. O próprio técnico explicou que o projecto lhe foi explicado pela direção com a ambição de chegar rapidamente à Liga 3 - não ficando excluida inclusive a possibilidade de, uma vez aí, mudar a sede social para a Grande Lisboa, virando costas ao “romantismo” enunciado publicamente pela mesma - e que a opção alentejano não era mais que um atalho, pactado com a própria organização federativa distrital que não levantou qualquer problema à inscrição do clube nas competições.
Mas nada correu bem.
A estreia nas provas competitivas - a Taça de Honra Remax da distrital portalegrense - estava marcada para 9 de Outubro, em Ponte de Sor, contra o Gavionenses mas o clube nem sequer marcou comparecência. O seguinte jogo foi uma vitória frente ao Elvas mas sem que o técnico e o seu staff tenha marcado presença para orientar uma equipa que tinha apenas um jogador suplente. Tudo isto a menos de um mês do arranque do campeonato Distrital. Dias depois Edinho, antigo jogador do Vitória FC e parte do plantel, por indicação do próprio Meyong, publicou numa conta das suas redes sociais a informação que muitos temiam e imaginavam.
Supostamente o clube não tinha pago salários a staff e jogadores praticamente desde a sua fundação, apenas quatro meses antes, e os atletas não tinham condições para continuar a competir por uma entidade que, ainda para mais, jogava e treinava a duas horas de distância. O clube não disponibilizou um autocarro e por isso os jogadores tiveram de seguir no seu próprio veículo pessoal até Elvas. Não houve um só representante legal do clube no local e foi o próprio capitão de equipa que teve de comunicar ao árbitro o alinhamento oficial da equipa. Nem sequer puderam utilizar o suposto equipamento oficial do clube - encarnado e amarelo - e tiveram de pedir emprestado a um clube vizinho. Para os adeptos e dirigentes do Elvas a situação vivida foi surreal, até mesmo para os padrões dos campeonatos distritais.
Muitos dos atletas optaram por começar a procurar alternativas em clubes da Grande Lisboa ao assistir ao desmoronar do projecto desportivo.
Há outros investidores potencialmente interessados já no clube - num momento em que não se conhecem os nomes de todos os nomes por detrás do investimento liderado por Fábio Lopes - porque a ideia de base permanece válida - um atalho para subir de divisão rapidamente - mas o que o Villa Athletic Club acaba por expor é a triste realidade em que se movem muitos clubes dos torneios distritais e, em alguns casos, até mesmo do Campeonato de Portugal. Um mundo repleto de vazios legais, buracos negros e jogos de interesses que pouco ou nada têm que ver com a estrutura competitiva local, o espirito das comunidades e à ideia que motiva qualquer competição de cariz distrital.
Aviso a navegantes, o Villa Athletic pode vir a acabar como projecto nos próximos meses ou ultrapassar a sua situação e eventualmente singrar com este ou outro nome. O certo é que deixa a nu muitos problemas da base do nosso jogo que pouco importam abordar e que misturam, demasiadas vezes, protagonistas inesperados e cúmplices que procuram a melhor forma de se aproveitar da natureza geográfica e competitiva do nosso jogo para conseguir um atalho para a fama.
Um misto de chico-espertismo e ingenuidade. Acreditar num projeto com alicerces tão ocos tinha tudo para dar mal. Só admito que haja tanto atleta em desespero que acredite que há uma saída mesmo em projetos que são poços sem fundo. E as regras admitirem esta aldrabice, que não tem outro nome, para tentar a subida... Que caldinho tão estragado...