Re Cecconi, o fim trágico do mais desconhecido rei de Roma
Foi uma das mais cintilantes estrelas do Calcio nos anos 70 e, ao mesmo tempo, um dos jogadores mais loucos do futebol italiano. Tanto que a sua propensão para viver no limite acabou em tragédia.
Esta é uma das histórias onde vale a pena começar pelo fim. Re Cecconi morreu num 18 de Janeiro da forma mais louca que se possa imaginar. Era uma das grandes estrelas do Calcio, o rei da SS Lazio, o “Angelo Biondo”. E tudo terminou da forma mais abrupta e trágica possível. No fundo, como viveu toda a sua existência, no limite da razão.
Médio de uma classe apuradíssima, Re Cecconi era o idolo dos adeptos da Lazio. Aos 28 anos vivia como um rei em Roma. Tinha ganhado a pulso o seu estatuto. Uma carreira repleta de esforço e sacrificios. Mas também de muita loucura. Dentro e fora do tapete verde. Um mago louco que nascera em 1948, em pleno pós-guerra na pequena localidade milanesa de Nerviano. Loiro como os amaldiçados arianos, o jovem Luciano Re Cecconi cresceu nos suburbios da capital lombarda com o sonho de emular os seus grandes idolos, o trio sueco do AC Milan.
Em 1968, cumpridos os 20 anos, estreou-se finalmente como futebolista profissional no modestíssimo Pro Patria Calcio. Chamou rapidamente à atenção do Foggia que encontrou nele o lider nato que a equipa, então na serie B, precisava. Num ano fez-se dono e senhor do meio campo da equipa e levou-os de volta ao convívio dos grandes. Dois anos depois trocou Foggia pela capital. A SS Lazio precisava desesperadamente de um jogador de classe e apontou baterias ao já celebre “Angelo Biondo”. Foi o inicio de uma louca história de amor. Na capital romana o jovem médio encontrou uma equipa ambiciosa mas sem um lider. Assumiu o posto para delicia dos adeptos laziale e do seu técnico, o sempre polémico Tommaso Maestrelli, responsável pela sua chegada a Foggia. O regista azul tornou-se insubstituivel.
No seu primeiro ano apontou um golo e conseguiu dez assistência em trinta jogos. A Lazio, até então uma equipa do meio da tabela, acabou a prova em terceiro, a apenas dois pontos da poderosa Juventus.
Ao lado do médio estavam o veterano Giuseppe Wilson e ainda a dupla de ataque composta por Giorgio Chinaglia e Mario Frustalupi. Depois do sucesso inicial em Roma, Re Cecconi estreou-se pela Squadra Azzura e entrou no lote de candidatos a viajar ao Mundial da Alemanha. O ano seguinte seria o coroar de uma carreira explosiva. Lesionou-se cedo mas a sua recuperação foi épica. Quando regressou a equipa andava pelo quinto posto. Com uma série de exibições inesquecíveis, a SS Lazio foi trepando a classificação. No final da época logrou o primeiro Scudetto da sua história levando os adeptos laziale à loucura. O “Angelo Biondo” tornou-se no simbolo dessa inesperada vitória e pela cidade cartazes e pintadas com o seu nome espelhavam bem a sua tremenda popularidade. De tal forma que a sua inclusão no onze da Azzura no Mundial da Alemanha tornou-se rapidamente em debate nacional. A eliminação precoce da Itália – na fase de grupos – é associada à presença constante no banco do regista. A sua figura tornava-se divina.
Ao mesmo tempo o jovem médio começava a inundar os relvados com as suas loucuras. Problemas com os árbitros, colegas e rivais tornaram-no num jogador assumidamente conflituoso. O seu carácter de confesso gigolo tornava-o ainda mais popular para os adeptos. Era o verdadeiro playboy do Calcio italiano dos anos 70, epitomizando o que muitos italianos aspiravam a ser algum día, um dia brilhando nos relvados da Serie A e outro aparecendo em festas glamourosas ao lado de actrizes célebres como Claudia Cardinalli, Gina Lollobrigida ou Ornela Mutti. Entre os admiradores do seu estilo de vida estava outro milanês, um então empresário desconhecido que fazia carreira como showman em cruzeiros, Silvio Berlusconi, que sonhava com poder vir a emular o seu estilo de vida.
No ano seguinte ao titulo – e impedida de participar na Taça dos Campeões por suspensão da UEFA devido a incidentes nos relvados na participação da época anterior da equipa na Taça UEFA – a Lazio enfrentava graves problemas. O técnico campeão foi forçado, por questões de saúde, a abandonar a equipa e o conflictivo carácter de Re Cecconi cada vez criava mais problemas ao resto do balneário. A equipa esteve perto da despromoção mas uma recta final impecável do médio e o regresso temporal de Maestrelli – que morrerá pouco depois, vitima de um cancro – salvaram o conjunto da perda de categoria.
O ano seguinte levantava muita expectativa sobre que encarnação da Lazio os adeptos iam poder ter, depois de duas temporadas tão dispares, mas tudo se complicou quando o médio, então com 28 anos, se lesionou gravemente ao segundo jogo. Esse seria também a última vez que Re Cecconi pisaria um relvado. Quando ainda estava em recuperação, na noite de 18 de Janeiro, depois de um almoço num conhecido restaurante romano que terminou a altas horas da tarde, Re Cecconi convenceu o seu amigo e colega de equipa, Pietro Ghedin, a simular um assalto à joalharia do famoso Bruno Tabochini.
Os dois sairam do restaurante com as gabardinas a cobrir parte do rosto e entram no estabelecimento. Cecconi gritou “Mãos ao alto que isto é um assalto” e o joalheiro, que estava de costas e que posteriormente confessou não ter reconhecido o craque, actuou por instinto, pegando numa pistola que tinha sempre consigo e disparando à queima-roupa. Re Cecconi morreu nessa mesma noite.
A última das suas famosas brincadeiras que assolavam a noite romana tinha-lhe sido fatal. Sem Re Cecconi - e com Chinaglia a caminho do Cosmos de Nova Iorque para jogar ao lado de Pelé - a Lazio entrou num processo auto-destruição. A equipa foi uma das principais protagonistas n escândalo Tottonero de apostas ilegais e por isso sofre das penas mais duras, a despromoção directa à Serie B e a suspensão de vários dos seus dirigentes e atletas. Apesar de ter regressado pouco depois de novo à elite e ter resgatado de Inglaterra a peso de ouro a também iconoclaste figura de Paul Gascoine, foi preciso chegar o final da década de 90 para que os adeptos do clube voltassem a cantar o seu segundo Scudetto.
Até então, no topo sul do Olimpico de Roma, sempre havia uma tarja que lembrava aos visitantes que naquele relvado imenso tinha espalhado o perfume do seu futebol um louco anjo loiro chamado Re Cecconi.