O caso Tó Madeira
O maior jogador da história da saga virtual Championship Manager nunca existiu. Nasceu da ambição juvenil de um scout português e rapidamente se transformou num dos maiores fenómenos de popularidade.
António Lopes é um desconhecido para a esmagadora maioria dos portugueses. Tó Madeira chegou a ser um ícone mundial. Ambos são a mesma pessoa, com dois denominadores comuns: a cidade de Gouveia e o jogo Championship Manager. Mais de vinte anos depois, o caso Tó Madeira ainda é um dos episódios mais comentados da história dos videojogos desportivos.
Quando a versão 2001/02 da saga Championship Manager chegou ás lojas, como era esperado, tornou-se num sucesso de vendas. O jogo popularmente conhecido apenas como CM tinha amadurecido desde a sua primeira edição – em 1992 – e era já, no virar do século, o jogo de estratégia desportiva mais popular do mundo. Depois do sucesso no mercado britânico, a produtora Sports Interactive e a editora Eidos tinham conseguido exportar o modelo para vários países nos cinco continentes e chegar a níveis de popularidade até então exclusivos de jogos de simulação real, como era a saga Fifa da Electronic Arts.
A grande surpresa da esmagadora maioria dos jogadores que decidiam tornar-se treinadores e partir à conquista do Mundo, ainda antes de José Mourinho ou Pep Guardiola terem começado as suas carreiras, chegou de Portugal. Apesar do futebol português viver então a sua idade de ouro, e portanto ser um nicho de mercado habitual para os diversos jogadores em todo o mundo encontrarem jovens promessas para desenvolver, havia um nome consensual aparecido do nada: Tó Madeira.
Avançado do Gouveia, clube que militava então a III Divisão, Tó Madeira era uma verdadeira máquina de marcar golos. Na filosofia do jogo, onde os atributos dos jogadores (a esmagadora maioria fielmente representativos da sua performance real) ditam o seu valor e importância, não havia nenhum outro jogador que fizesse sombra ao desconhecido dianteiro. Nem Luís Figo, nem Ronaldo, nem Zinedine Zidane, as máximas estrelas da época. Tó Madeira era o jogador que todos queriam ter na sua equipa, estivessem em Londres, Madrid, Lisboa, Rio de Janeiro ou Shangai.
A popularidade inicial de Tó Madeira tornou-se num verdadeiro enigma para muitos.
O sucesso da saga Championship Manager – que hoje segue na sua nova denominação comercial de Football Manager – passava sobretudo pela imensa similiaritude entre os jogadores reais e virtuais. Historicamente sempre tinham existido jogadores sobrevalorizados, especialmente jovens promessas que acabaram por não cumprir todas as expectativas, mas nunca tinha aparecido do nada um jogador com um potencial tão grande.
A Sports Interactive, criadora do jogo, contactou a equipa portuguesa de pesquisa para informar-se sobre este prodígio. Por essa altura já existiam clubes, especialmente britânicos, que utilizavam a base de dados do jogo para procurar jogadores para os seus projectos desportivos e muitos contactaram a productora para saber informações sobre um jogador que ninguém parecia conhecer.
O modelo da SI, especialmente desde a sua expansão para o futebol continental, passava por criar uma equipa de pesquisadores em cada país que apresentava anualmente um relatório sobre todos os jogadores desse país, com os atributos e classificações que ditavam o seu valor futuro no jogo. Começou então a procurar-se pelo homem que descobriu Tó Madeira.
É aí que entra em cena António Lopes.
Depois de várias pesquisas, que incluíram telefonemas de vários pesquisadores portugueses para o próprio Clube Desportivo de Gouveia, a equipa de investigação da CM Portugal descobriu que Tó Madeira era um nome fictício, criado pelo próprio investigador da zona, um estudante de engenharia civil, natural de Gouveia e a residir em Coimbra. António Lopes tinha sido efectivamente jogador do clube, mas ficou-se pelos juvenis. Quando foi nomeado pela CM Portugal como pesquisador oficial das divisões secundárias, na zona centro de Portugal, decidiu fintar o destino e criar o espelho do jogador que ele gostaria de ter sido. E assim nasceu Tó Madeira.
Mas não só. Lopes criou igualmente perfis falsos para amigos seus da escola na formação local, como os irmãos Peralta, que também apresentavam dados de jogadores de primeiro nível mundial. Naturalmente António Lopes acabou por ser desmascarado, despedido pela SI e a distribuidora Eidos considerou em lançar uma nova versão à venda nas lojas sem o célebre Tó Madeira na base de dados. Mas o jogador tinha ganho já condição de mito e tornou-se num dos exemplares mais vendidos da história, tendo sido relançado nas lojas oito anos depois com um considerável sucesso. Hoje é considerado como o melhor jogo da saga e muitos continuam a utilizá-lo, actualizando a base de dados de ano para ano. E poucos são os que abdicam de ter o avançado português na sua equipa.
Mais de duas décadas depois muito mudou à volta da saga. O nome Championship Manager continuou até 2011, mas os verdadeiros homens por detrás do jogo trabalham noutro projecto, o popular Football Manager, que em 2006 seguiu por outro caminho para atingir um pico de popularidade que apenas rivaliza com a saga FIFA. A base de dados do jogo nunca foi tão grande e exacta, e apesar de em todas as versões posteriores à de 2001/02 terem surgido jogadores reconhecidos pelos “treinadores fictícios” como casos de extremo exagero, todos eles eram reais.
Tó Madeira tornou-se num símbolo e ainda há muitos nostálgicos que utilizam o editor do jogo para recriá-lo, edição atrás de edição. A internet está repleta de artigos sobre este avançado fantasma, capaz de apontar mais de 50 golos por temporada. Talvez o avançado que o futebol português actual nunca teve e que tanta falta fazia nunca tivesse sido mais do que uma brincadeira de um jovem universitário, mas acabou por se tornar num dos mais celebres jogadores da história do futebol virtual.
Os avançados escolhidos eram quase sempre o Tó Madeira e o Tsigalko. Mesmo subindo com o meu Amora lá conseguia pescá-los na 3.ª ou 4.ª época
Bons tempos! Excelente texto, sempre bom relembrar o velhinho CM.