Intertoto, a Champions dos humildes
Este artigo faz parte do especial Tardes Europeias, uma viagem às competições europeias de clubes fora do controlo da UEFA e esquecidas pelos adeptos mas com histórias fascinantes.
Quando se diz que os clubes portugueses venceram um total de sete competições europeias (oito, se incluimos a Supertaça continental), estamos a excluir das contas títulos pré-UEFA (como a Taça Latina de 1950) mas também torneios que a UEFA apadrinhou mas que nunca deixou ser levados muito a sério. É o caso da Intertoto. Em 2009 o Sporting de Braga bateu os belgas do Standard Liege classificando-se para os oitavos de final da Europa League e assim conquistou a última edição da prova mas esse torneio nunca foi verdadeiramente tido em linha de conta até porque era, na prática, uma mistura de um torneio de verão e uma fase preliminar da segunda prova mais importante para a UEFA, a já então Liga Europa. Esse foi sempre o destino da Champions dos pobres, ser olhada de lado e nunca devidamente valorizada pelo aquilo que realmente significava.
A Intertoto existe nos livros da UEFA desde 1995. Na prática fora fundada trinta e cinco anos antes. Foi a quarta competição nascida fora do seio da UEFA que esta acabou por adoptar como sua. E também a que mais tempo tardou. Se a Taça dos Campeões Europeus foi abraçada meses depois de arrancar no papel e se a Taça das Taças teve apenas três edições antes de passar a ser organizada pela UEFA, já a Taça UEFA só surgiu depois de quase década e meia de vida de uma Taça das Cidades com Feiras que nunca teve direito a tratamento oficial. O mesmo se pode dizer de quase quarenta anos de Intertoto.
A competição foi lançada oficialmente na temporada de 1960/61. O critério de adesão era simples. Os clubes enviavam solicitações para participar ao comité de organização e o único motivo inicial de exclusão era tomar parte numa das outras competições europeias em marcha. De certa maneira a Intertoto - cuja a ideia foi, em parte, do visionário presidente do Malmo - era o solar dos pobres, o torneio para os que não tinham torneios onde participar. Uma prova para os mais humildes ou para aqueles clubes que, desportivamente, não passavam pelo melhor momento.
Inicialmente existiam apenas trinta e duas vagas e os jogos eram disputados num formato futurista para a época e que mais tarde seria replicado pela própria UEFA. Oito grupos de quatro com seis jogos cada, seguidos de uma fase a eliminar até se disputar uma final que decretava o vencedor oficial da prova, que teria disputado um total de 13 jogos, sensivelmente os mesmos que os vencedores das primeiras edições da Champions League e, à época, mais do que aqueles que jogavam as provas da própria UEFA.
A primeira dessas finais foi entre dois futuros campeões europeus, o Feyenoord e o Ajax, numa altura em que o futebol holandês carecia de qualquer expressão competitiva no quadro europeu. Henk Groot, futura vitima da ascensão de um jovem adolescente chamado Johan Cruyff, anotou o decisivo hat-trick que deu a vitória por 4-2 aos ajaccied num duelo disputado no Olimpico de Amsterdão.
Em 1964 o torneio expandiu-se a 48 equipas devida à enorme adesão de participantes, números que foram oscilando entre os 48 e os 32 até meados dos anos setenta consoante a quantidade dos inscritos. O que mais dano provocou ao prestigio do torneio foi a decisão de eliminar as eliminatórias e conceder o título de vencedor ao campeão de cada um dos múltiplos grupos que se foram formando, quase sempre organizados regionalmente, de modo a que a partir de 1967 até 1995, a Intertoto passou a contar com vários vencedores diferentes por cada temporada disputada, ainda que houvesse sempre uma equipa considerada como a vencedora dos vencedores por ter o melhor registo pontual ou o melhor average.
Essa distopia durou até 1995. Nesse ano a UEFA tomou a decisão de pegar no torneio e utiliza-lo como fase preliminar da sua renovada Taça UEFA. O motivo era óbvio.
A queda do muro de Berlim e o desmantelamento da URSS quase que multiplicou, da noite para o dia, o número de afiliados à confederação continental. De repente toda a estrutura competitiva das provas europeias perdia o sentido já que cada nova federação sentia ter o direito de participar em cada uma das três provas em disputa. Nesse ano a Champions League era ainda um exclusivo dos campeões, a Taça das Taças dos vencedores das Taças (ou clubes vencidos nas finais) e a Taça UEFA uma amalgama de participantes que iam desde os primeiros classificados dos campeonatos aos vencedores das Taças das Ligas que por então se disputavam. A UEFA decidiu então que, não só a Champions League estava destinada a mudar o seu formato para ser ainda mais abrangente - os dois participantes por países do topo do ranking arrancaram em 1998 - como a Taça dos Vencedores das Taças teria os dias contados. Tudo isso carregava em excesso o peso de participantes na Taça UEFA pelo que a decisão foi transformar a Intertoto na fase preliminar dessa competição para englobar os representantes dos países mais pequenos e sem expressão e incluir igualmente os piores classificados entre os grandes potentados europeus.
Os dois vencedores das múltiplas fases a eliminar da Intertoto entrariam na fase final da Taça UEFA e dessa forma faziam já parte do esquema de acesso às noites europeias.
Disputaram-se doze grupos de quatro equipas cada - um total de 48 participantes - seguidos de duas rondas a eliminar até às meias-finais. Cada vencedor dessas meias-finais seguiria em frente na Taça UEFA e disputaria, ao mesmo tempo, o título de vencedor da Intertoto. A primeira edição coroou os franceses do Strasbourg e do Girondins Bordeaux - que alcançariam esse mesmo ano a final da UEFA, provando aos dirigentes da confederação a utilidade do novo formato - o que levou no ano seguinte a ampliar a três as vagas geradas pela Intertoto. Os gauleses do Guingamp, os dinamarqueses do Silkeborg e os alemães do Karlshuer, foram os agraciados.
O modelo permaneceu vigente até 2005 quando a Intertoto passou a conceder onze vagas para a fase final da, já então, Europa League, uma por cada um dos vencedores dos grupos, tal como sucedera durante os anos setenta e oitenta. O vencedor da Intertoto passaria a ser aquele clube que, superada essa ronda, chegasse mais longe ou obtivesse o melhor average na Taça UEFA. Foi assim que Newcastle venceu essa edição, seguida pelo Hamburgo em 2007 e o Sporting de Braga em 2008.
Essa foi a derradeira edição de um torneio que tinha perdido todo o sentido. Os clubes europeus tinham já aceite a nova ordem das coisas, com o ranking da UEFA perfeitamente delimitado para distribuir pelas duas principais competições os seus clubes participantes e a Intertoto tornou-se absolutamente redundante.
A prova foi descontinuada pela UEFA e, ironicamente, meses depois, o guarda-redes holandês Edwin van der Saar encontrou, por casualidade, num antiquário londrino, o troféu original entregue ao Ajax em 1961 e que, entretanto, tinha sido perdido. Foi uma forma quase poética de fechar a história de uma competição europeia de verão, um quase contra-senso na história das noites europeias, mas que também faz parte do historial de muitos países e clubes que talvez devessem olhar para ela com mais respeito do que provavelmente o futebol alguma vez teve com uma prova repleta de mitos e lendas próprios.
Nunca fui pesquisar a origem da coisa, mas sempre achei que estava ligada à necessidade de manter a funcionar os diversos Totobolas. Até porque se jogava mais cedo no ano do que as provas europeias a sério.