Hospitalet, à sombra de Can Barça
Ruas sem Bola é um especial onde viajamos pelas maiores cidades de dez países europeus que nunca contaram até hoje com um clube na máxima divisão profissional.
A zona do Llobregat era um pasto imenso vazio de casas e perdido entre os pequenos canais do pequeno delta que formava o rio que fechava a zona sul de Barcelona. No meio de canaviais viviam pescadores e agricultores misturados, números que não superavam os 10 mil a metade do século XX, cada qual com as vistas postas nos seus afazeres até que o ruido das máquinas foi chegando e a zona transformou-se num dos mais importantes poligonos industriais da Catalunha. O futebol acompanhou o crescimento da zona, paulatinamente, mas os clubes locais nunca foram capazes de dar o salto, asfixiados pela vizinhança imponente não só do todo poderoso Barcelona mas também do Espanyol.
Hospitalet del Llobregat é agora um municipio com quase 270 mil habitantes, um dos maiores da zona sul da Europa e o segundo maior de toda a Catalunha, apenas atrás da cidade de Barcelona. É maior que as capitais de provincia Girona e Lleida e ainda que outros polos urbanos de grande importância ecónomica ou cultural como Cornella, Sabadell, Manresa, Igualada ou Sitges. Só isso devia ser suficiente para ser uma zona com condições suficientes para converter-se numa potência desportiva, por si própria. Mas isso nunca terminou de acontecer.
O grande boom demográfico chegou primeiro com a emigração. A imensa maioria dos seus novos habitantes chegava da Andaluzia e vinha para os arredores de Barcelona à procura de uma maior qualidade de vida. Não pertenciam à zona nem tinham nenhum laço com a cultura catalã. Eram um reduto do sul no norte. A maioria manteve os laços com as terras de origem e outros procuraram adaptar-se o melhor possível. Os primeiros mantiveram a ligação emocional aos clubes da sua terra (Sevilla, Betis, Malaga, Granada ou o já muito popular Real Madrid) e outros procuraram abraçar os dois grandes clubes de Barcelona, sobretudo o FC Barcelona, para sentir-se mais integrados na nova sociedade. O certo é que poucos pensaram no processo de integração desde uma perspectiva local e por isso - e também pela pobreza extrema em que vivia essa nova população migrante - os clubes locais nunca conseguiram crescer como esperado.
Em 1957 houve uma fusão dos três emblemas locais, que nunca tinham passado dos campeonatos catalães distritais, para dar um novo empurrão à ideia de competir numa esfera superior como já conseguia o Sabadell - também uma cidade industrial a norte - e da junção do Hercules, do Santa Eulalia e do UD Hospitalet nasceu o CD L´Hospitalet.
O clube jogava no modesto campo municipal de Deportes e agora joga num estádio municipal com cerca de 7000 lugares que, quase sempre, estão vazios. Quando foi fundado actuava na primeira divisão distrital catalã e nos anos sessenta começou pouco a pouco a escalar degraus até que alcançou em 1963 a Segunda Division. O clube ficou sediado na zona norte, competindo contra os principais clubes da Galiza, Asturias, Pais Basco, Catalunha e Baleares. Nesse grupo estavam o Deportivo da Coruña, o Racing Santander, Osasuna, Real Sociedad, Salamanca, Alavés ou Mallorca. A primeira época foi de sofrimento. O L´Hospitalet caiu cedo em zona de despromoção e só nas últimas jornadas conseguiu trepar até aos play-offs de manutenção. A equipa bateu o Gimnastico mas precisou de um terceiro encontro para poder respirar. No ano seguinte as coisas correram melhor e a salvação matemática deu-se na penultima jornada mas em 1965/66 o L´Hospitalet acabou mesmo por perder a categoria. Nunca mais voltaria a estar tão alto no mapa competitivo espanhol.
A partir de aí a vida do clube foi um constante mundo de altos e baixos. Caiu de novo nos campeonatos distritais para regressar, já nos anos oitenta, à recém-criada Segunda Division B, no fundo a terceira categoria. Por aí se manteve, com algumas descidas e subidas temporárias, até hoje em que compete de novo na quarta divisão.O seu único titulo foi conquistado em 2020, a Copa da Catalunya, até há duas décadas um torneio onde até o Barcelona participava com jogadores da primeira equipa (o primeiro jogo de José Mourinho como treinador ocorreu num duelo da competição, aproveitando uma viagem de Louis van Gaal à Holanda), mas que hoje é apenas disputado por clubes modestos ou formações juvenis dos grandes da região. Durante todo esse periodo a cidade continuou a sua expansão demográfica e urbanística. O Espanyol passou a jogar na zona vizinha de Cornella, o que não ajudou a captar novos adeptos enquanto a popularidade conquistada pelo Barcelona depois da chegada de Cruyff, como treinador, transformou para sempre o mapa de seguidores de toda a zona a seu favor.
Nessa dinâmica foi sempre dificil ao L´Hospitalet encontrar espaço para respirar. Enquanto que em Madrid, os anos 2000 permitiram a vários clubes de cidades similares como o Getafe ou Leganes de chegar à primeira divisão (no caso dos Azulenos com direito a competições europeias e final da Copa del Rey) e a Fuenlabrada, Majadahonda ou Alcorcon de disputar a Segunda Liga profissional, o mesmo nunca se chegou a passar na Catalunha onde o efeito escova dos blaugrana mostrou ser determinante.
Apenas o histórico Sabadell, que esteve nos anos sessenta na primeira divisão com alguma regularidade, quebrou essa tendência. A cidade continua o seu processo de crescimento mas a sua natureza de espaço dormitório e poligono industrial relegou para um distante segundo plano qualquer iniciativa socio-cultural e desportiva capaz de a dotar de uma identidade própria. Ainda hoje é uma das cidades mais massificadas de Espanha e com menos voz. O futebol não teve mais sorte.