Bayern vs Hitler, um clube contra o nazismo
Nos anos 90 ficou conhecido como Hollywood FC. A ditadura imposta na Bundesliga neste século transformou-o num clube frívolo e odiado por muitos mas, na realidade, o Bayern tem um passado de activismo
É curioso como há clubes como o Ajax Amsterdam que sempre possuíram uma aura de grandeza associada ao seu multiculturalismo e à sua resistência contra o establishment. E outros, como sempre sucedeu com o Bayern Munchen, que foram acusados vezes sem conta de serem clubes de regime, clubes acomodados ou clubes sem personalidade. Ironicamente, durante a II Guerra Mundial o Ajax, um clube extremamente ligado à comunidade judaica holandesa, colaborou com o regime nazi na denúncia de alguns dos seus membros mais influentes que acabaram em campos de concentração. Por outro lado, o Bayern Munchen, foi o único clube alemão que desafiou abertamente as indicações do governo de Hitler. E pagou um elevado preço por resistir ao regime nazi.
Entre os anos 30 e os anos 60, a maior equipa do futebol alemão perdeu tudo o que tinha ganho a custo. Passou largos anos nas divisões secundárias, sofreu o estigma social na Baviera e viu muitos dos seus dirigentes exilados para nunca mais voltar. Foi o preço por opor-se ao regime nazi e à sua politica de anti-semitismo. Depois da sua fundação, o clube tinha começado a afirmar-se na elite do futebol germânico sobretudo desde o final da década de 20. Em 1932 sagrou-se campeão nacional pela primeira vez na sua história. Não voltaria a vencer um titulo até ao final dos anos 60.
Em 1933 o regime de Adolf Hitler controla definitivamente o destino da Alemanha depois de um incêndio no Reischtag ter precipitado a dissolução do parlamento e a sua eleição como chanceler.
Uma das suas primeiras medidas passou pelo controlo todas as instituições desportivas e sociais, sobretudo para os purgar da influência comunista uma vez que o partido, que era três vezes maior que o Nazi, tinha acabado de ser banido. Originalmente o plano de Hitler era mesmo o de suprimir todos os clubes e criar do zero novas instituições totalmente fieis ao seu partido. Houve até várias fusões entre clubes em cidades por todo o país e quanto às instituições mais influentes, o regime exigiu a demissão dos seus dirigentes e a substituição por homens afiliados à causa nazi.
Pior era o caso dos clubes que empregavam a membros da comunidade judaica. Bernhardt Rust, ministro da educação, promulgou em Junho de 1933 um dossier legislativo que expulsava qualquer membro da comunidade judaica de cargos em todo o tipo de instituições estatais, desportivas ou educativas na Alemanha. Muitos dos clubes alemães já se tinham antecipado à medida, conhecedores da ideologia hitleriana. O Bayern Munchen recusou. Até ao último dia o seu presidente, o judeu Kurt Landauer, o homem por detrás da gestão que levou ao primeiro titulo dos encarnados, manteve-se no posto com o apoio absoluto da restante directiva, dos jogadores e adeptos, muitos dos quais membros do próprio partido Nazi já que a Baviera foi uma das zonas que cedo abraçou as políticas extremistas de Hitler.
Quando o limite legal passou, o clube foi forçado politicamente a aceitar a substituição do seu presidente para não fechar portas. Poucos anos depois, Landauer foi preso pelas SS por actos resistência ao regime e acabou num campo de concentração que funcionaria como teste ao que mais tarde se viria a tornar no Holocausto, Dauchau. Em 1939 conseguiu escapar e refugiou-se na Suiça onde manteve o contacto com os seus antigos companheiros em Munique.
Entretanto, a atitude desafiante do clube irritou profundamente os dirigentes nazis.
O regime apoiou declaradamente o rival local, 1860 Munchen, que tinha permanecido sempre fiel às indicações das autoridades e dotou-o de financiamento, campos de treino de primeiro nível e facilidades na gestão das licenças dos jogadores que tinham de cumprir serviço militar. Ao contrário, para os homens do Bayern tudo eram obstáculos e problemas para resolver e a pouco e pouco o clube tornava-se numa instituição marginal. Foi forçado a despedir alguns dos seus melhores jogadores (judeus) e quando o regime aplicou uma legislação que obrigava os clubes a serem absolutamente amadores, instituições que tinham caminhado para o semi-profissionalismo, como era o caso dos homens de Munique, tiveram de reformular o plantel de forma drástica.
Mesmo assim, o Bayern manteve-se sempre fiel ao seu presidente, anunciando nas suas publicações que Landauer ainda era dirigente de pleno direito do clube e que todas as regras impostas pelo partido eram apenas aceites, não partilhadas ideologicamente. Em 1940, o clube foi até à Suiça disputar um amigável. Landauer estava na bancada. Os jogadores aproximaram-se e aplaudiram-no durante largos minutos. No intervalo a Gestapo entrou no balneário e ameaçou a todos os jogadores com um bilhete sem volta para um campo de concentração se a atitude se voltasse a repetir. Na conservadora Baviera, onde muitos dos homens do regime ficaram depois da guerra terminar como auxiliares da administração norte-americana, essa postura nunca foi esquecida e a popularidade do 1860 Munchen manteve-se em alta até aos anos 60.
Fiel ao seu principio, o Bayern Munchen mandou publicar nos jornais locais uma noticia de congratulação aos exércitos Aliados no dia em que, finalmente, foi assinado o armistício na Alemanha. Dois anos depois Kurt Landauer voltou do exilio na Suiça e chegou a Munique para ser reeleito, por aclamação, presidente do Bayern. Cargo em que se manteve até 1951. Os problemas sociais mantiveram o clube longe da elite durante os dez anos seguintes.
Curiosamente foi um jovem que estava na formação do rival do 1860 quem permitiu um volte face histórico a princípios da década de 60. Franz Beckenbauer mudou a história e tornou-se igualmente numa das figuras que mais impulsionaram a vertente filantrópica do clube. Desde os milhões oferecidos às vitimas do tsunami no sudeste asiático em 2004, apoios a escolas no Sri Lanka e, sobretudo, um apoio financeiro directo a muitos clubes alemães em problemas financeiros, do politizado St. Pauli ao rival directo Borusia Dortmund sem esquecer, curiosidades da vida, o seu eterno vizinho, o 1860 Munchen.
Apesar de ter sido um dos primeiros clubes a abraçar uma gestão abertamente comercial, com patrocinios com gigantes económicos da região como Adidas ou Audi, o Bayern foi também um clube que nunca esqueceu as suas origens. E um dos poucos a bater o pé a um regime totalitário e sobreviver para contar a história. E que história.
Pois é, mas aqui na Alemanha estas vertentes são lhes reconhecidas. O que acontece é que as pessoas estão fartas de verem sempre os mesmos a vencer.