John Sousa, o último herói luso do Soccer
John Sousa foi o primeiro americano a integrar o onze ideal de um Mundial. E foi também uma das primeiras estrelas com sangue português a brilhar no Campeonato do Mundo. Antes de Portugal estrear-se.
O nome não engana. Ponta Delgada S.C.
O clube fundado pela comunidade emigrante portuguesa em Fall River - no estado de Massachusetts - foi a plataforma de lançamento de John Sousa. Na equipa, composta exclusivamente por filhos da diáspora açoriana, despontavam alguns dos nomes mais promissores do soccer. E isto numa altura em que o futebol tinha sido uma das grandes vitimas da Grande Depressão.
Nos anos 20, com a chegada em força ao país da última grande vaga de emigrantes vindos da Europa, depois de setenta anos de diferentes vagas, o jogo tornou-se genuinamente popular junto do público americano. Digressões de clubes europeus - como a mítica passagem do Hakoah Vienna - eram recibidas com estádios lotados. A primeira grande geração do Soccer, onde militavam filhos da emigração como Billy Gonçalves, atingiu as meias-finais do primeiro Campeonato do Mundo organizado pela FIFA. Parecia que o futebol nos Estados Unidos ia ter a mesma popularidade que conquistou noutras latitudes. Não foi assim. A falta de investimento na década seguinte enterrou qualquer esperança de manter uma liga profissional de prestigio à medida que o basket e, sobretudo, o baseball ganhavam os corações da América. Até porque esses desportos eram considerados locais e muitos emigrantes, para facilitar a sua assimilação social, preferiram adoptar como seu uma equipa de baseball, basket, futebol americano, do que continuar ligado emocionalmente ao futebol que tinham aprendido a amar nas suas terras de origem.
Mesmo assim o soccer mantinha-se activo, sobretudo em clubes forjados nas comunidades emigrantes italianas, escocesas, húngaras, irlandesas, nórdicas e portuguesas.
John Sousa Benavides nasceu em Fall River, a 12 de Julho de 1920.
Os pais tinham emigrado dos Açores poucos anos antes, para escapar da imensa miséria que à época transformava o Portugal dos primeiros anos da República numa das nações mais pobres da Europa. Não sabemos se alguma vez visitou o país dos seus antepassados, mas usava o apelido com orgulho e foi junto de outros imigrantes de primeira e segunda geração que cresceu, com uma bola nos pés, nas ruas da pequena cidade industrial do nordeste dos Estados Unidos.
Cedo revelou dotes para o jogo, cedo despontou na equipa local e cedo chamou a atenção dos dirigentes norte-americanos. Mas entretanto chegou Pearl Harbour, a guerra, o alistamento e os anos perdidos em campos de batalha bem distintos dos tapetes verdes com que sonhava. Quando voltou a casa, e ao Ponta Delgada SC, a melhor etapa da sua carreira já tinha passado. Mas não a mais triunfal.
No pós-guerra o Ponta Delgada confirmou-se como um dos mais populares e bem sucedidos clubes do futebol americano. A formação dos luso-descendentes venceu vários torneios regionais e durante três anos consecutivos, entre 1946 e 1948, sagrou-se campeão americano do futebol amador norte-americano. A figura de liderança de John Sousa numa equipa onde despontavam igualmente Ed Sousa, José Rego Costa, Manuel Martin, Joe Ferreira e Jim Delgado, todos internacionais, era inquestionável.
A estrela da companhia, guiou o conjunto para uma nova série de três títulos nacionais consecutivos na liga amadora entre 1950 e 1953. O sucesso do clube era tal que em 1948, depois de vencer todos os torneios em que participou, a federação de futebol norte-americana decidiu convocar a totalidade da equipa para representar o país como seleção oficial dos Estados Unidos no primeiro torneio norte-americano de seleções, antecessor da actual Golden Cup. A equipa viajou até Cuba onde defrontou os locais e o México para apurar o campeão continental. Apesar de ter perdido os dois jogos, a popularidade do conjunto manteve-se intacta.
Em 1950 os Estados Unidos foram convidados a representar a América do Norte no Mundial da FIFA. O torneio seria disputado no Brasil e face aos problemas financeiros da maioria dos países, muitos dos participantes foram directamente convidados. Os Estados Unidos, recém-consagrados como máxima potência mundial, apesar de não terem um historial no desporto tinham já dado boa conta de si nas primeiras edições e não rejeitaram o convite. Entre a equipa enviada para Belo Horizonte seguiam dois jogadores do Ponta Delgada, Ed e John Sousa. Entre ambos não havia laços parentesco, mas o seu papel nos destinos da campanha americana foi fundamental.
John Sousa, avançado de instinto apurado, já tinha actuado pela equipa americana nos Jogos Olímpicos de Londres, em 1948, e a sua titularidade na equipa que iria disputar o Mundial era inquestionável.
No primeiro jogo, frente à Espanha, apontou o golo inaugural aos 17 minutos. Os americanos acabariam por perder por 3-1 mas quatro dias depois, em Belo Horizonte, lograram a mais memorável vitória da história do soccer. Um triunfo por 1-0 frente à favorita Inglaterra que ecoou para a posteridade. Sousa não marcou mas foi eleito como um dos melhores em campo, distinção que repetiu no terceiro jogo frente ao Chile onde apontou o segundo golo dos norte-americanos numa dolorosa derrota por 5-2. Mesmo assim o seu impacto foi tal que no onze ideal do torneio, eleito pela revista brasileira Mundo Esportivo, o seu nome marcava presença.
Foi a primeira vez – até 2002, quando Claudio Reyna foi igualmente eleito pela FIFA com a mesma distinção – que um futebolista americano era considerado como um dos melhores do Mundo. E era, igualmente, a primeira vez que um futebolista de sangue português recebia a mesma honra, dezasseis anos antes de Eusébio.
Depois do Mundial do Brasil, John Sousa voltou como herói para o futebol americano.
Passou do Ponta Delgada SC para o New York German-Hungarians, uma mudança de clube pouco habitual para a época mas que lhe valeu novo titulo de campeão nacional e um bilhete para os Jogos Olímpicos de 1952 em Helsínquia. No final do torneio, capitaneou a equipa americana no seu primeiro jogo em Hampden Park, frente à Escócia, encontro que os escoceses venceram por 2-0. Seria o último desafio oficial de Sousa com a camisola americana.
Com 32 anos o avançado ainda actuou mais dois anos ao serviço do clube nova-iorquino antes de voltar ao Ponta Delgada para terminar a carreira, já longe da forma que o consagrou. Membro fundador do Hall of Fame do soccer americano, a sua história perdeu-se no tempo. Em Portugal poucos quiseram saber deste filho da diáspora. Nos Estados Unidos o nome foi substituido pelos heróis das gerações seguintes, marcadas pela profissionalização da NASL. Quando morreu, já com 91 anos, foi o primeiro all-star da história do soccer a falecer e houve múltiplas referências na imprensa desportiva do país. Em Portugal, não se escreveu uma só linha. John Sousa não tinha existido sequer na memória colectiva de um país que teve num dos seus emigrantes o primeiro representante de luxo no maior palco do futebol mundial.
Excelente texto e obrigado por me ter chegado este dado histórico da primeira estrela mundial lusa!